segunda-feira, dezembro 22, 2008

Livros/Náutica: O Capitão Slocum e a Viagem do "Liberdade"

Remexendo em temas náuticos, anos atrás encontrei rara pérola em uma livraria no Uruguai: "El Viaje del 'Liberdade'", de Joshua Slocum (1844-1909), o mesmo autor do conhecidíssimo "Velejando Solitário ao Redor do Mundo" (Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991, ISBN 8528001709), um dos grandes clássicos da literatura náutica.

Poucos sabem que Slocum, o primeiro homem a circunavegar o mundo velejando em solitário, antes da sua histórica proeza naufragou no litoral do Paraná, no ano de 1887.

Em fevereiro de 1886 o Capitão Slocum comandava o Aquidneck e partiu em viagem comercial de Nova York rumo ao Uruguai, trazendo consigo a esposa os filhos, Victor e Garfield, de 14 e 5 anos.

Ocorre que o Aquidneck naufragou na Baía de Paranaguá, no Brasil, no Natal de 1887.

Com a perda total do navio mercante que comandava, sem meios financeiros e completamente isolado,  com a família abrigada na cidade de Paranaguá, Joshua Slocum construiu com as próprias mãos e a duríssimas penas o Liberdade, pouco mais do que uma canoa de 11 metros, a qual foi lançada ao mar no dia da liberação dos escravos no Brasil.

Com ela transportou a esposa e seus filhos em uma viagem de 5.000 milhas e 55 dias de volta aos Estados Unidos. O feito foi tamanho que o Liberdade foi entregue ao Smithsonian Institution, onde ficou exposto e foi visitado por milhares de pessoas.

O Liberdade, fruto da mescla de várias técnicas de construção náutica

A tripulação do Liberdade: Joshua Slocum e a sua pequena família

Completamente arruinado depois da perda do seu barco, o Capitão Slocum publicou este livro em 1890 mas não obteve muito sucesso junto ao público, obrigando-o a trabalhar em arsenais e estaleiros até que ganhasse de um amigo o Spray, o pequeno veleiro com o qual realizou em 1906 a primeira circunavegação em solitário do globo, aos 54 anos de idade, um dos maiores feitos individuais que sem tem notícia na história da navegação.

Mais tarde Slocum construiu o Spray, no qual foi o primeiro homem a circunavegar o globo em solitário
 Para a felicidade dos leitores brasileiros as curiosas (des)venturas do Capitão Slocum no Brasil, as suas dificuldades com as autoridades, as lutas contra motins, o cólera e a varíola a bordo foram publicadas no mercado nacional e pode ser encontrada nas boas livrarias do ramo (SLOCUM, Joshua, "A Viagem do Liberdade". São Paulo: Ed. Planeta, 2004 - ISBN 857665010x).

Se estiver difícil encontrar, vale uma conferida na ótima Livraria Moana  especializada em temas náuticos, viagens e aventuras e que possui uma edição especial em português de lavra da Aventura Editorial.

Para quem ainda quiser complementar seu conhecimento sobre o assunto sugiro ler a interessante crônica "Guaraqueçaba, o Comandante Slocum e a Proeza do Barco "Liberdade", de Newton Carneiro, garipada pelo Danilo do site popa.com.br e que relata alguns aspectos folclóricos da passagem do grande capitão Joshua pelo Brasil.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Cone Sul/Argentina: A Mítica Ruta 40


A mítica Ruta 40 na Patagônia é para os amantes da aventura o equivalente à Rota 66 nos EUA para a tribo beatnik, embora a supere em quase mil quilômetros. Ao longo de 5.224 Km ligando paralelamente aos Andes o sul com o norte do país, por ela se descortinam paisagens grandiosas onde os superlativos são um lugar-comum.

Um dos muitos aspectos que justificam o seu rótulo de rota de aventura são os longos trechos sem absolutamente qualquer recurso e pavimentação, o que serve como uma espécie de repelente do turismo convencional.


O preço do privilégio para percorrê-la não é pequeno: despreendimento dos confortos básicos, pneus furados, pára-brisas quebrados, panes secas e milhares de quilômetros de muita, mas muita poeira.


As estatísticas da Ruta 40 são impressionantes:
  • a estrada liga o Farol de Cabo Vírgenes no extremo sul do litoral da Província de Santa Cruz na Patagônia a La Quiaca no norte, divisa com Bolívia, ao longo de mais de 5 mil quilômetros;
  • sua altitude varia do nível do mar a quase 5 mil metros, contando com 27 passos cordilheiranos, cruzando 11 províncias argentinas e atravessando paralelos de mais de 30 latitudes;
  • em seu traçado podem ser visitados 20 reservas naturais e parques nacionais, sendo 5 deles patrimônio da humanidade;
  • a estrada construída pela Vialidad Nacional a partir de 1935 atravessa dezoito rios importantes, cruza duzentas e trinta e duas pontes, passa por sessenta localidades e treze grandes lagos e salinas, variando do frio extremo ao calor abrasador dos desertos;
  • a estrada une três regiões geográficas: o Norte ( províncias de Jujuy, Salta, Tucumán e Catamarca), Cuyo (La Rioja, San Juan e Mendoza) e a Patagônia ( Neuquén, Rio Negro, Chubut e Santa Cruz);
  • desde o Alto Vale do Rio Negro até Cachi (Salta), a Ruta 40 comunica 132 vinícolas (das cento e trinta e cinco existentes na Argentina em dez/2008) abertas ao turismo na denominada Rota do Vinho;
  • os órgãos de turismo na Argentina costumam sugerir aos que pretendem conhecer a Ruta 40 em toda a sua extensão, uma viagem de quarenta dias (“La 40 en 40 dias"); a melhor época de viajar pelo norte é durante o inverno, que é mais seco; e na temporada de outubro a abril, menos fria, pela região patagônica;
  • parte em rípio (cascalho) e parte asfaltada, em 2008 dos 5.224 quilômetros da estrada cerca de 2.700 – norte da Patagônia, quase todo Cuyo e Catamarca, todo Tucumán e o sul de Salta - estavam asfaltados. A Previsão da Vialidad para o término dos trabalhos de pavimentação é no ano de 2010;
  • 0 quilômetro Zero da Ruta 40 esteve, até fins de 2004, no cruzamento das ruas San Martin e Garibaldi, em pleno centro da cidade de Mendoza. Desse ponto partia o trecho Norte - 1551 km - até Abra Pampa, Jujuy e o trecho Sul – 3115 km - até Punta Loyola, Santa Cruz.

Em viagens diferentes já percorri aproximadamente 5 mil quilômetros da Ruta 40, parte ao sul de Mendoza, então 80% em rípio e o resto em asfalto precário, e mais um trecho maravilhosamente pavimentado ao norte de Salta.

O percurso retratado nestas imagens está mais ao sul, na Patagônia, onde apesar da claridade de verão as latitudes baixas garantem uma luz bonita, atravessada, deixando as fotografias com as cores quentes e aveludadas.


Se a viagem compensa? Evidente que sim! Experimente para ver e me conte na volta...


As fotos desta postagem foram captadas em fevereiro de 2000 durante a Expedição Terra Australis com uma câmera Canon EOS 5 e negativos Fuji. A digitalização foi feita a partir das cópias em papel com scanner comum em baixa resolução. Prometo mais adiante providenciar digitalizações melhores diretamente dos negativos. Todas as fotografias foram tomadas pelo autor deste blog na Patagônia.

Copyright © 2000 João Paulo Lucena. Proibida reprodução sem a permissão expressa do autor.

*** Complementando estas imagens, descobri no YouTube um video promocional muito bacana sobre a Ruta 40. Confiram diretamente aqui no blog!

sexta-feira, novembro 07, 2008

Livros/Escalada: A Bíblia do Montanhismo (e do Trekking)

Tendo colaborado para vários meios de informação com artigos sombre atividades junto à natureza, volta e meia recebo algum pedido de indicação de um bom manual sobre caminhadas, camping e montanhismo. Carentes que são os brasileiros de qualificada literatura técnica no ramo das atividades ligadas à natureza - e até que os editores nacionais despertem para este ávido segmento do mercado -, é necessário recorrer às obras estrangeiras considerando o histórico desenvolvimento destas atividades nos Estados Unidos e Europa.

Assim, se tivesse que escolher um livro de cabeceira para atividades na montanha, este seria aquele que é considerado "o manual dos manuais" ou a "Bíblia da Montanha": "Mountaineering, The Freedom of the Hills" (Montanhismo. A Liberdade dos Cumes), de Don Graydon e Kurt Hanson.

Publicado pela primeira vez há em 1960 e já na sua sétima edição americana atualizada, com mais de 500.000 exemplares vendidos, este manual é referência essencial para iniciantes e veteranos e o livro-texto obrigatório nos melhores cursos estrangeiros não só para escalada mas também para atividades de trekking e outras praticadas junto à natureza. Para os brasileiros que se aventuram pelas regiões andinas, os trechos do texto que tratam sobre o clima em montanha são especialmente instrutivos para nós que estamos habituados aos ambientes tropicais, seja o objetivo uma escalada em alta montanha ou uma simples travessia e motocicleta da Cordilheira dos Andes onde uma repetina mudança de clima pode por fim àquela viagem dos sonhos por anos acalentada.

O manual divide-se em seis grandes capítulos, abrangendo com profundidade e mais de 480 ilustrações os seguintes temas: Fundamentos das Atividades Outdoor; Fundamentos da Escalada; Escalada em Rocha, Neve, Gelo e Escalada Alpina; Prevenção e Procedimentos de Emergência; O Ambiente da Montanha.

Em linguagem acessível e didática, são abordados inúmeros assuntos, dentre eles a geologia e o clima em montanha, o uso detalhado de equipamentos desde as vestimentas até as mais sofisticadas ferramentas de alta montanha, navegação e cartografia, nós, deslocamento sobre neve, gelo e glaciares, técnicas de mínimo impacto do homem na natureza, além de apêndices com indicação de extensa bibliografia complementar.Para quem se sente mais confortável com o espanhol do que com o inglês, a obra pode ser encontrada em versão castelhana pelas Ediciones Desnivel de Madrid, especializada em montanhismo.

Mountaineering, The Freedom of the Hills. COX, Steven M. e FULSAAS, Kris. The Mountaneers Books, 2003, 575 p. ISBN 978089886827
Montañismo, La Liberdad de las Cimas. GRAYDON, Don Graydon e HANSON, Kart. Madrid: Ed. Desnivel, 2004, 656 p. ISBN: 9788496192553

quarta-feira, novembro 05, 2008

Fotografia: No Arquipélago de Fernando de Noronha

Em 2004 estive alguns dias no Arquipélago de Fernando de Noronha, uma experiência imperdível para quem gosta de fotografar natureza.

Descoberto por portugueses em 1500, foi ocupado também por ingleses, franceses e holandeses, tendo sido colônia prisional, ponto de parada das primeiras companhias de aviação transatlântica, posto de telégrafo internacional e também base americana durante a Guerra Mundial, sendo local de diversos monumentos históricos.

(Fernando de Noronha como colônia prisional. Foto Wikipédia)

Hoje o arquipélago sedia o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e um importante local de estudos marinhos e de atuação dos projetos TAMAR e Golfinho Roteador. É um dos grandes locais no mundo para mergulho e observação submarina.

(localização de Fernando de Noronha no Oceano Atlântico)

Seguem aí algumas imagens daquela viagem...

Copyright de todas as imagens © 2004 João Paulo Lucena. Proibida reprodução desautorizada.

sábado, novembro 01, 2008

Livros/Cinema: Into the Wild, na senda de Jon Krakauer

Poster do filme "Na Natureza Selvagem". Fonte: Divulgação

A adaptação para o cinema da obra já cult de Jon Krakauer "Na Natureza Selvagem" (Into the Wild, 1996), editada no Brasil pela Companhia das Letras em 1998 justifica o resgate desta obra publicada no Brasil apenas em 1994 mas que na época não teve a repercussão que merece, agora resgatada pelo sucesso do filme dirigido por Sean Penn e estrelado por Emile Hirsch e com uma belíssima trilha sonora do Eddie "Pearl Jam" Vedder.

Influenciado pelo estilo jornalístico de Truman Capote e envolvendo-se de corpo e alma nos assuntos sobre os quais descreve cada detalhe, Krakauer é também um excelente montanhista e um dos principais editores da prestigiada Outdoor Magazine, repositório de históricas reportagens sobre atividades junto à natureza como Into the Wild e Into the Thin Air do próprio Jon Krakauer e The Perfect Storm de Sebastian Junger, todas transformadas em posteriores best sellers.

Em "Na Natureza Selvagem", Krakauer narra a história do jovem Chris MacCandless que abandonou os bens materiais e a vida confortável em busca de si mesmo e de uma vida pura e ascética junto à natureza. Anos após o seu desaparecimento, MacCandless é encontrado morto no Alaska.


O romance foi idealizado em 1992, quando Krakauer foi enviado para a região pela revista norteamericana Outdoor Magazine para reportar a descoberta do corpo de um jovem aventureiro. O escritor, porém, não imaginava que aquela viagem seria o início de uma obcecada investigação, coroada pelo sucesso editorial publicado, anteriormente, no Brasil pela Companhia das Letras, o best seller "No Ar Rarefeito".

Os excelentes Emile Hirsch e Sean Penn nas gravações da versão para o cinema.
Fonte: Divulgação

Depois da publicação da obra e da exibição da versão cinematográfica dirigida por Sean Penn o ônibus na Stamped Trail, em Healy, Alaska, virou um local de romarias visitado constantemente por fãs da obra de Krakauer.

A fotografia abaixo é a última imagem do verdadeiro Chriss MacCandless e foi revelada a partir do negativo da câmera fotográfia encontrada após a sua morte no ônibus que lhe serviu de derradeiro refúgio.



Bibliografia de Jon Krakauer:

  1. Eiger Dreams: Ventures Among Men and Mountains, 1990, ISBN 0-385-48818-1. No Brasil Sobre Homens e Montanhas, São Paulo: Cia. das Letras, 1999
  2. Into the Wild, 1996, ISBN 0-385-48680-4. No Brasil Na Natureza Selvagem, São Paulo: Cia. das Letras, 1998
  3. Into the Thin Air, 1997, ISBN 0-385-49208-1(expandido a partir do artigo original publicado na Outside Magazine (EUA). No Brasil a última edição é No Ar Rarefeito, São Paulo, Cia. das Letras, 2006
  4. Under the Banner of Heaven: A Story of Violent Faith, 2003, ISBN 0-385-50951. No Brasil Pela Bandeira do Paraíso – Uma História de Fé e Violência, São Paulo: Cia. das Letras, 2003

Confira aqui o trailer da versão para o cinema de Into the Wild.



POSTAGENS RELACIONADAS NESTE BLOG:

sábado, outubro 25, 2008

Fotografia/Náutica: No Mar de Dentro I - A Lagoa dos Patos

A Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul é imensa, tão grande que na maior parte da sua extensão não se consegue ver a margem do outro lado. Possui 265 quilômetros de ponta a ponta e é considerada a maior é também para os gaúchos o seu mar interior e, por tal motivo, também apelidada de “Mar de Dentro”.

As margens da Lagoa dos Patos escondem muitas regiões selvagens com belas supresas para amantes da vida natural. Um dos lugares especialmente ricos para fotografia de natureza é o Porto do Barquinho, na foz de um arroio junto à costa leste da Lagoa, a 12km da cidade de Mostardas.

Gosto muito desta imagem pois me passa uma grande sensação de harmonia e tranquilidade. Foi captada no ínicio da manhã quando o sol começava a dissipar a neblina, anunciando muito calor pela frente. O efeito do contra-luz na névoa e nas teias de aranha formaram um belo fundo para a silhueta do passarinho em primeiro plano.

Foto .raw captada em 300 mm, ISO 100, f/250, f/7,1, abril de 2007.

sábado, outubro 18, 2008

Náutica: O Resgate do HMS Beagle


E já que falei em Darwin, li outro dia que depois de 130 anos de mistério historiadores marítimos ingleses anunciaram a localização em Essex dos despojos do HMS Beagle, o navio com o qual foram realizadas as viagens pelo mundo que o inspiraram a formular a Teoria da Seleção Natural.

Os famosos diários do Beagle, comandado pelo Capitão FitzRoy, constituem uma história tão especial que no futuro merecerá um comentário específico.

Com a ajuda de um radar submarino o navio foi encontrado debaixo de seis metros de lodo nos pântanos do Condado de Essex, ao sul de Londres. Os pesquisadores se valeram de recenseamentos que listavam familiares ainda vivos de tripulantes do Beagle e de velhos mapas para rastrearem o famoso navio.


A ironia é que desconheceu Darwin até o seu falecimento em 1882 na propriedade familiar do Condado de Kent, que seu antigo navio estava repousando tão perto do seu mais ilustre tripulante.

Mas a notícia mais interessante é que está sendo construída uma réplica do Beagle para os festejos dos 200 anos do nascimento de Darwin em 2009. Diferente do seu modelo original, o novo HMS Beagle terá motores auxiliares diesel, radar, GPS, comunicação por satélite e modernos equipamentos de segurança. Vamos aguardar.



PARA SABER MAIS:

Evolution of radar points to HMS Beagle's resting place. Disponível em 18-09-2008 em http://www.guardian.co.uk/science/2004/feb/15/sciencenews.science

The HMS Beagle Project. Disponível em 18-09-2008 em www.thebeagleproject.com/links.html

sexta-feira, outubro 10, 2008

Cone Sul/Uruguai: Pelas Calçadas de Sacramento

Colônia do Sacramento foi fundada pelos Portugueses em 1680 e depois de muitas disputas e negociações está hoje em território uruguaio. O Barrio Viejo foi declarado patrimônio da humanidade pela ONU e abriga históricas pousadas, pubs, restaurantes, lojas de artesanato e um charme incomparável.

Apenas sentar em uma de suas centenárias calçadas, sentir o tempo passar vagarosamente e degustar a calidez de um sol de inverno já mais do que compensa a visita. E se a fome apertar é só pedir uma Norteña de litro acompanhada pelos descomunais milanesas do Uruguai!

Esta imagem da Plaza Mayor foi captada em .raw com uma lente fixa de 20 mm, ISO 50, 1/200, f/9,0 em julho de 2007.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Crônica: Desculpas para Darwin


O Estado de São Paulo publicou no último dia 15 que a Igreja Anglicana da Inglaterra pretende pedir desculpas públicas a Charles Darwin em função das hostilidades praticadas contra este cientista quando da divulgação da sua teoria quanto à origem das espécies. Este ato de contrição faria parte das ações comemorativas dos 200 anos do nascimento de Darwin e dos 150 anos da publicação da "Origem das Espécies" previstas para 2009.

Como entendido por Darwin, a seleção natural não precisa de uma intervenção divina como variável independente, o que tem provocado até os dias de hoje reação de diversos grupos religiosos. Lembra a reportagem do Estadão que em um debate na Universidade Oxford em 1860, o bispo Samuel Wilbeforce perguntou a um apoiador de Darwin, o cientista Thomas Huxley, se ele descenderia de um macaco pelo lado da mãe ou pelo lado do pai...

Por outro lado, a Igreja Católica, mesmo contando com igual pecado em carteira, afirma (hoje) que em verdade as idéias de Darwin não são incompatíveis com o relato bíblico da criação e que, portanto, o pedido de excusas não seria devido ao sábio inglês. Em 1992, o papa João Paulo II declarou que Igreja Católica Romana tinha errado ao condenar Galileu Galilei por afirmar que a Terra gira em torno do Sol. Ainda em 2008 o papa Bento XVI publicou livro afirmando que a Teoria da Evolução não pode ser provada de modo conclusivo e que a forma como a vida se desenvolveu indica uma "razão divina" que não pode ser explicada apenas por métodos científicos. Parece então que Darwin não merecerá dos Católigos a mesma consideração devotada a Galileu Galilei.

Apesar da publicação da "Evolução das Espécies" há um século e meio, o tema continua atual face à adaptação da Teoria Darwinista à vários outros ramos da ciência, a partir da qual muitas teorias de seleção artificial foram propostas sugerindo que os fatores de aptidão econômica e social atribuídos por outros seres humanos, ou por seu ambiente construído, são de certa forma biológicos ou inevitáveis (Darwinismo Social) . Outras sustentam que houve uma evolução das sociedades análoga àquela das espécies. As idéias de Darwin, juntamente com as de Freud, Adam Smith e Marx são consideradas por muitos historiadores como tendo uma profunda influência no pensamento do Século XIX ao desafiar as escolas de pensamento racionalista e o fundamentalismo religioso que então prevaleciam na Europa.

A evolução das espécies ao longo das eras formando linhagens que chegam aos atuais seres vivos constitui o cerne das idéias de Darwin. Antes dele acreditava-se na versão religiosa segundo a qual por volta do ano 4004 a.C., Deus criou o homem, a mulher e os demais seres vivos exatamente como eles são agora. Essa visão pré-darwinista, que só sobrevive dentro dos círculos religiosos e ainda se reveste nos nossos dias uma projeção assustadora.

Nos Estados Unidos, conforme artigo publicado na Revista Veja 54% dos adultos dizem descender de Adão e Eva e, segundo um levantamento recente do Instituto Harris Poll, menos da metade das pessoas crêem na teoria da evolução de Darwin. Informa ainda que muitas escolas americanas, nas aulas de ciências, decidiram substituir os ensinamentos de Darwin por uma variante do criacionismo batizada de "design inteligente". Segundo essa teoria, há elementos na natureza, como o olho humano, que têm uma estrutura tão engenhosa que só podem ter sido criados por um projetista, ou seja, um ser superior.

Passada a I Guerra Mundial um forte movimento comandado por fundamentalistas religiosos conseguiu que fosse adotada a proibição do ensino do Darwinismo nas escolas em vários estados do sul dos Estados Unidos. Nessa época, o caso de John Scopes, um professor do Tennessee foi condenado por ter ensinado a Teoria da Evolução e inspirou o filme O Vento será tua Herança, dirigido por Stanley Kramer). Embora o advogado de Scopes, Clarence Darrow, tenha feito uma defesa brilhante do Darwinismo, mostrando as contradições e incoerências de uma leitura literal da Bíblia, a Corte Estadual entendeu que a proibição não violava a Constituição Federal. Veja-se que somente nos 60, a lei do de Tennesse foi julgada inconstitucional pela Suprema Corte daquele país.

Mas talvez certo mesmo esteja o tataraneto de Charles Darwin, Andrew Darwin, que em declaração ao jornal Daily Mail afirmou que não há motivos para tanta preocupação pois "Quando as desculpas chegam 200 anos depois, é menos para corrigir um erro e mais para fazer com que a pessoa ou organização que pede as desculpas se sinta melhor".

O assunto é tão interessante que por certo voltaremos a ele neste blog. E para complementar, veja abaixo umas das principais cenas de "O Vento Será sua Herança" (em inglês):

PARA SABER MAIS:

Papa questiona teoria da evolução de Charles Darwin http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL20435-5602,00.html, disponível na internet em 20.01.2010
A Revolução Sem Fim de Darwin. Veja.com, disponível na internet em 17.09.2008(http://veja.abril.com.br/090507/p_112.shtml)
Igreja Anglicana deve desculpas a Darwin, diz clérigo. Estadao.com.br (http://www.estadao.com.br/vidae/not_vid242077,0.htm)
O Vento Será tua Herança ("Inherit the Wind", EUA, 1960). Filme estrelado por Spencer Tracy e dirigido por Stanley Kramer (http://www.cineplayers.com/filme.php?id=3460)

terça-feira, setembro 16, 2008

Livros/Chile: A prosa de Pablo Neruda

Foto: internet
"Comenzaré por decir, sobre los días y años de mi infancia, que mi único personaje inolvidable fue la lluvia... La gran lluvia austral que cae como una catarata del Polo, desde los cielos del Cabo de Hornos hasta la frontera. En esta frontera, o Far West de mi patria, nací a la vida, a la tierra, a la poesía y a la lluvia."
Diplomata, exilado, político ou aventureiro curioso, ele viajou por países como o Ceilão, Índia, China, União Soviética, França, Itália e até o Brasil. Atravessou os Andes a cavalo como fugitivo, percorreu a América Latina, socorreu refugiados durante a Guerra Civil Espanhola, amou como ninguém as mulheres e foi amigo de grandes nomes das literatura latina como Jorge Amado, Vinícius de Morais, Gabriela Mistral, Rafael Alberti e Federico Garcia Lorca.

Mesmo candidato a presidente do seu país, condição da qual abdicou em favor de Salvador Allende, foi pelo ofício de poeta que o seu nome circulou o planeta e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971, após uma vida de frenéticas viagens tendo na mala um passaporte de cidadão do mundo.
Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto, autobatizado Pablo Neruda e considerado um dos maiores poetas do século XX, era filho de um ferroviário e nasceu em 1904, em Parral, no sul do Chile, país que como ninguém cantou em prosa e poesia.
Humanista, democrata e ferrenho defensor da paz, Neruda foi uma personalidade carismática e popular, tendo pessoalmente recitado seus versos pelos mais recônditos extremos do Chile. Ora dirigindo-se aos obreiros de pequenas fábricas, ora a multidões que, magnetizadas pelo seu carisma, chegaram a lotar o Estádio Nacional de Santiago para ouvi-lo, fato extraordinário para nós brasileiros, mais acostumados a homenagear os mestres da bola do que os nossos silenciosos heróis da pena e do papel.
Meu primeiro contato com a obra de Neruda deu-se ainda na infância, num tempo cinzento em que a tarja da censura e o patrulhamento político não estimulavam a leitura de um escritor de esquerda, mesmo que a sua obra tivesse como salvo-conduto intelectual o selo do Prêmio Nobel estampado na capa.
Recém trazidas ao Brasil as memórias do poeta, impressionaram meus ouvidos de criança os comentários entusiasmados feitos pelo Dr. Carlos Adolfo Menna Barreto, de profissão médico e íntimo amigo de meu pai.
Um pequeno trecho em especial, antológico, no qual Neruda descreveu tão vividamente os bosques austrais ao sul do Chile, que suas cores, aromas, ruídos e seres fantásticos jamais me deixaram em paz até que conseguisse conhecê-lo anos depois, curioso, emocionado e com a avidez insana de quem entra em um livro de histórias:
"...Bajo los volcanes, junto a los ventisqueros, entre los grandes lagos, el flagrante, el silencioso, el enmarañado bosque chileno... Se hunden los pies en el follage muerto, crepitó una rama quebradiza, los gigantescos raulíes levantan su encrespada estatura, un pájaro de la selva fría cruza, aletea, se detiene entre los sombríos ramajes. Y luego desde su escondite suena como un oboe... Me entra por las narices hasta el alma el aroma salvaje del laurel, el aroma oscuro del boldo... El ciprés de las guaitecas intercepta mi paso... Es un mundo vertical: una nación de pájaros, una muchedumbre de hojas (...)"
Publicado postumamente no ano do seu falecimento, o seu livro de memórias "Confesso que Vivi" com certeza agradará ao leitor e talvez nele semeie, assim espero, o mesmo irresistível impulso de conhecer um pouco mais deste continente que chamamos de América, tão bem descrito nas palavras de um poeta que a amou com todo o seu ser:
"Quien no conoce el bosque chileno, no conoce este planeta. De aquellas tierras, de aquel barro, de aquel silencio, he salido yo a andar, a cantar por el mundo."
Ao final, o depoimento-homenagem do grande bardo argentino Atahualpa Yupanqui a Pablo Neruda por ocasião da sua morte em 1973:

PARA SABER MAIS:


- NERUDA, Pablo - Confesso que Vivi, Editora Bertrand Brasil, 2000, 23ª edição. NERUDA, Pablo - Confesso que he Vivido, Plaza & Janes, 1998, 1ª edição.
- Fundación Pablo Neruda - Chile
- Pablo Neruda na Wikipedia